É tão comum andar, namorar, brincar, telefonar, morrer. Morrer? Sim, sim. Diz Drummond: “morre-se de mil motivos/ e sem motivos se morre de saudade”. Está aí um aspecto desse tipo de morte que me fascina: a morte, sentimento que é, vai naufragando seu ser, invadindo artérias e veias de sentimento, conectando e interagindo sinapses de lembranças. Daí a conseqüência imediata é você morrer, assim sem explicação, assim às vezes sem jeito, melhor, do seu jeito, e você morre de saudade, morre porque teve que se despedir de alguém, morre porque magoou uma pessoa querida e não se desculpou ainda, ou porque não teve oportunidade ou porque o orgulho tem falado mais alto, morre porque se morre e não se fala mais disso, encerra outro. Sem propriedade para falar da morte denotativa, pois me faltam palavras para expressá-la, tentar seria pisar em terreno movediço, abstenho-me de tal incumbência e fico somente com a morte conotativa.
Que sentido têm as coisas? Aliás, pergunto, as coisas têm sentido? Namoro porque preciso de uma companhia, emenda um. Telefono porquanto gosto de me comunicar, diz outra. Brinco porque sou simplesmente uma criança crAescida, reflete alguém. A esta reflexão me sobreveio a crônica “Os flamboyants” de Rubem lves, em que ele afirma que as crianças são ridículas, procurando sempre os meios para tornar possível o imperativo ser do prazer, ser de viver, ser do à-toa; longe disso, os adultos não são ridículos, são educados e comportados, carregam o rótulo ser do dever, ser isso, ser aquilo, sendo, afinal de contas, qualquer coisa... menos eles próprios! Seja ridículo. Seja você. Não faça de nada sua medida a não ser de si para si.
Como você pode notar, querido leitor, não ousei responder a indagação “que sentido têm as coisas”. Não o fiz nem pretendo fazê-lo. Antes, transfiro para você que agora lê esta singela crônica a laboriosa tarefa de responder. Enquanto isso, reflito sobre dois versos de Fernando Pessoa: “As cousas não têm significação: têm existência./ As cousas são o único sentido oculto das cousas”. Vou além. Acredito que as coisas por si só não têm sentido, não apresentam significação, não carregam sequer expressão. Todavia, somos nós quem batizamos e revestimos as coisas de significados e sentidos vários, peculiarizando a impressão que temos dos objetos, das coisas criadas, das coisas vividas. Assim, de uma carta que se escreva ou receba, a carga de simbolismo que ela terá para a mãe aflita que há tanto espera a volta do seu filho, será bem diferente se a mesma carta cair em endereço errado e um estranho a receber. Perceba. É a mesma carta, com a mesma letra, com o mesmo fecho, entanto, os sentimentos despertados é que são distintos. Semelhantemente ocorre isso conosco, com a nossa vida. Para alguns somos fundamentais, peça indispensável sem a qual a engrenagem do mundo não funcionaria, somos muito mais que simples coadjuvantes e partícipes do teatro da vida. Para outros, a maioria, somos somente mais um, quando somos, uma vez que não raro nada se é. Dessa constatação, podemos perceber que a pessoa não é o ou um sentido, entretanto ela possibilita que nela se concretize sentidos de terceiros.
Faz já algum tempo que resolvi caminhar pela praça Batista Campos. Caminhava sem pensar porque “pensar é estar doente dos olhos”, diz Alberto Caeiro. Caminhava observando os carros, o trânsito, as pessoas, os animais, as árvores. Não sei se eram meus olhos que estavam embevecidos pela beleza da natureza. Minha retina só projetava imagens de árvores, frondosas, exuberantes, majestosas, imperiais, maravilhosas. Não sei se era tempo de manga. Nem sei se tem tempo de manga. Só sei que as mangueiras se destacavam. Estavam todas esbeltas, todas ricas de fruta. Seus galhos se perfilavam por toda a praça como teias de aranha conectadas geometricamente, fechando-se em um verdadeiro escudo verde por onde se estendiam. Das suas folhas nem se fale. Eram grandes e acalentadoras como mão amiga, dançavam ao ritmo e movimento do vento. Também vi flores. Uma que me chamou atenção tinha a cor de uma pimenta vermelha bem forte. Era destaque, ofuscava as flores amarelo-laranja que existiam em maior número. Imagino que essa flor vermelha era o centro sentimental daquela árvore. Acho que ali era seu coração. Via pulsação de vida naquele pequeno ponto vermelho.
Fui embora com aquela imagem da flor vermelha. Com ela sonhava e, a cada dia, renovava-se o desejo de contemplá-la. Na verdade, aquela flor era quase uma divindade. Minha oração era admirá-la. Porém, quando já me sentia um autêntico devoto dela, tive a audácia de lhe fazer um pedido: faça cair uma manga perto de onde eu esteja no dia em que completar anos. Do dia do pedido ao dia do meu aniversário faltavam meses. Fizesse sol, fizesse chuva, de domingo a domingo, lá eu estava naquela liturgia cotidiana de culto à flor vermelha. Chegou o grande dia. Em todos os dias, até ali, caíram mangas aos montes, mas nunca aproveitei nenhuma delas. Hoje era o dia tão esperado. Percorri o mesmo trajeto. Não pensei em nada, eu era todo expectativa. Esperei a manga cair. Em vão. Nem a manga caiu nem a flor vermelha apareceu.
Nisso entendi lição dada por Cecília Meireles de que morremos a cada dia, no amor, na tristeza, na dúvida, no desejo. E que também nos renovamos todo dia, no amor, na tristeza, na dúvida, no desejo. Nisso confio. A mangueira permanece lá!
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Que sentido têm as coisas? Aliás, pergunto, as coisas têm sentido? Namoro porque preciso de uma companhia, emenda um. Telefono porquanto gosto de me comunicar, diz outra. Brinco porque sou simplesmente uma criança crAescida, reflete alguém. A esta reflexão me sobreveio a crônica “Os flamboyants” de Rubem lves, em que ele afirma que as crianças são ridículas, procurando sempre os meios para tornar possível o imperativo ser do prazer, ser de viver, ser do à-toa; longe disso, os adultos não são ridículos, são educados e comportados, carregam o rótulo ser do dever, ser isso, ser aquilo, sendo, afinal de contas, qualquer coisa... menos eles próprios! Seja ridículo. Seja você. Não faça de nada sua medida a não ser de si para si.
Como você pode notar, querido leitor, não ousei responder a indagação “que sentido têm as coisas”. Não o fiz nem pretendo fazê-lo. Antes, transfiro para você que agora lê esta singela crônica a laboriosa tarefa de responder. Enquanto isso, reflito sobre dois versos de Fernando Pessoa: “As cousas não têm significação: têm existência./ As cousas são o único sentido oculto das cousas”. Vou além. Acredito que as coisas por si só não têm sentido, não apresentam significação, não carregam sequer expressão. Todavia, somos nós quem batizamos e revestimos as coisas de significados e sentidos vários, peculiarizando a impressão que temos dos objetos, das coisas criadas, das coisas vividas. Assim, de uma carta que se escreva ou receba, a carga de simbolismo que ela terá para a mãe aflita que há tanto espera a volta do seu filho, será bem diferente se a mesma carta cair em endereço errado e um estranho a receber. Perceba. É a mesma carta, com a mesma letra, com o mesmo fecho, entanto, os sentimentos despertados é que são distintos. Semelhantemente ocorre isso conosco, com a nossa vida. Para alguns somos fundamentais, peça indispensável sem a qual a engrenagem do mundo não funcionaria, somos muito mais que simples coadjuvantes e partícipes do teatro da vida. Para outros, a maioria, somos somente mais um, quando somos, uma vez que não raro nada se é. Dessa constatação, podemos perceber que a pessoa não é o ou um sentido, entretanto ela possibilita que nela se concretize sentidos de terceiros.
Faz já algum tempo que resolvi caminhar pela praça Batista Campos. Caminhava sem pensar porque “pensar é estar doente dos olhos”, diz Alberto Caeiro. Caminhava observando os carros, o trânsito, as pessoas, os animais, as árvores. Não sei se eram meus olhos que estavam embevecidos pela beleza da natureza. Minha retina só projetava imagens de árvores, frondosas, exuberantes, majestosas, imperiais, maravilhosas. Não sei se era tempo de manga. Nem sei se tem tempo de manga. Só sei que as mangueiras se destacavam. Estavam todas esbeltas, todas ricas de fruta. Seus galhos se perfilavam por toda a praça como teias de aranha conectadas geometricamente, fechando-se em um verdadeiro escudo verde por onde se estendiam. Das suas folhas nem se fale. Eram grandes e acalentadoras como mão amiga, dançavam ao ritmo e movimento do vento. Também vi flores. Uma que me chamou atenção tinha a cor de uma pimenta vermelha bem forte. Era destaque, ofuscava as flores amarelo-laranja que existiam em maior número. Imagino que essa flor vermelha era o centro sentimental daquela árvore. Acho que ali era seu coração. Via pulsação de vida naquele pequeno ponto vermelho.
Fui embora com aquela imagem da flor vermelha. Com ela sonhava e, a cada dia, renovava-se o desejo de contemplá-la. Na verdade, aquela flor era quase uma divindade. Minha oração era admirá-la. Porém, quando já me sentia um autêntico devoto dela, tive a audácia de lhe fazer um pedido: faça cair uma manga perto de onde eu esteja no dia em que completar anos. Do dia do pedido ao dia do meu aniversário faltavam meses. Fizesse sol, fizesse chuva, de domingo a domingo, lá eu estava naquela liturgia cotidiana de culto à flor vermelha. Chegou o grande dia. Em todos os dias, até ali, caíram mangas aos montes, mas nunca aproveitei nenhuma delas. Hoje era o dia tão esperado. Percorri o mesmo trajeto. Não pensei em nada, eu era todo expectativa. Esperei a manga cair. Em vão. Nem a manga caiu nem a flor vermelha apareceu.
Nisso entendi lição dada por Cecília Meireles de que morremos a cada dia, no amor, na tristeza, na dúvida, no desejo. E que também nos renovamos todo dia, no amor, na tristeza, na dúvida, no desejo. Nisso confio. A mangueira permanece lá!
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A história dessa crônica é engraçada. “A manga não veio”, sobreveio-me certo dia esta frase. Refleti sobre ela. Resolvi fazer um texto que discutisse o sentido das coisas. Afinal, as coisas têm sentido? A fiz também com intuito de lê-la no dia do meu aniversário num lugar onde me sinto super bem, na UEPa, com meus amigos. Foi um dia maravilhoso. Não poderia ter sido melhor. Não vou esquecê-lo tão cedo!
3 comentários:
Grande mestre Ricardo Daltro
devo admitir, que suas crônicas foram de muita importância e inspiração para os versos que descorro.
Principalmente Poeta ama/dor, que pode ser visto lá no meu blog.
poucos tem a suficiência e o brilhantismo de expressar com clareza e devoção a magnifica arte que é escrever.
Estágio esse que o SR alcançou com facilidade...
Merecimentos!!!
Thiago MóMó
Falow mestre
Nossa! Fiquei contente por encontrar esse blog. Por outro lado, um pouco decepcionado, por não ter sido COMUNICADO da existência dele.
Gostei muito da aparência, das fotos, ficou legal. Dos textos também gosto. As críticas já conheces.
Parabéns, 007!
Amo esta cronica!
Me leva a reflexão do sentidos das coisas, é incrivel seu talento com palavras,expressoes,delineando traços singelos e verdadeiros. Parabéns meu amor!
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