sexta-feira, junho 29, 2007

Crônica de uma bailarina


“A história de um grande homem, é bem dada no resumo de um só dia de sua vida”, assim discorreu nosso grande prosador Guimarães Rosa em seu livro Sagarana, conto O Burrinho pedrês. O amanhecer tem ar jovial, exultante, e vigor esperançoso.

O dia é nossa fase peteleco, nosso compromisso com o descompromisso, é o tempo em que tudo é gigante, o doce é o néctar infantil, transformado em sonho de vidrar os olhos nas festas de aniversário, ou nosso ou dos amigos. É a época o quê, por que, do que, pra que, o porquê, o período-indagação. Tudo é novidade, é deslumbramento, tudo é de e para se encantar. O choro infantil é simplesmente uma exigência para que o encantamento seja infindo.

A manhã vai amadurecendo e a vida passa. Atinge-se onze, doze horas, e agora o papo já é outro. Bonecos, brinquedos, barbies, batmans são deixados de lado e a explosão da puberdade ressoa sobre corpos ainda imaturos que recebem uma munição desenfreada de hormônios. Aqui é o momento das descobertas. Melhor. Prefiro definir esse instante como da redescoberta do mundo, pois as coisas são vistas e sentidas sob outra ótica, sob outra carga de emoção e interesse. É a época do amor juvenil, notadamente uma etapa de transição, pois se o interesse pelo sexo oposto ou pelo mesmo sexo aproxima o ser que vive este momento da próxima etapa da vida, a adulta, acrescido das primeiras e ligeiras responsabilidades e preocupações que começam a sobrevir, a pessoa juvenil, principalmente a menina, conserva ainda um que de conto de fadas, de maravilhoso ao imaginar um romance perfeito, casamento sem crises, uma vida onde tudo será rosas, carregando consigo uma semente cândida típica das crianças.

Passadas as fases anteriores, adentra-se na era adulta, época das preocupações, dos compromissos inadiáveis, do amor muitas vezes mais convencional do que genuinamente incrustado no coração, muito diferenciado daquele típico do fervor juvenil em que os sentimentos são levados ao extremo. É a fase da normalidade, tudo tem um que lógico de acontecer, nada é quente ou frio, quase sempre o adulto é morno, não deixa renascer as convulsões joviais e muito menos lhe sobressalta o desejo e o encantar-se pueris. Por isso sinto que o tempo adulto é marcado pela falta de uma identidade revigorante, marca essa indispensável para se sentir ativo, vivo. É um estágio de certo vazio, de felicidades (raras) ora intempestivas ora programadas, pesando ao adulto as intempéries próprias de sua fase: preocupações, os objetivos profissionais ainda a se concretizar, a casa que não sai, o carro que não chega, o dia-a-dia sufocante, o tempo escasso que não possibilita tirar um tempo para si, relegando isso sempre para depois: no próximo final de semana, no próximo feriado, no próximo ano. O tempo, impiedoso, não reconhece a promessa do próximo, do depois e passa, os objetivos vão sendo atingidos, mas algo é esquecido: o adulto esquece de si mesmo. É alguém que está em desequilíbrio consigo e como na vida se deve buscar o equilíbrio, a equalização de forças, a natureza, essa sapiente sacerdotisa dos deuses, vem possibilitar a troca de experiências entre ciclos de vida: é daí que do seio adulto emerge o ser pueril, resgatando naquele a verve infantil, do brincar, do sorrir despropositadamente, à-toa, a qualquer hora e lugar, do ver a vida como um verdadeiro parque de diversão, como uma gangorra que lhe faz enxergar que na vida ora se está em cima ora embaixo, como uma roda gigante que o faz rodopiar em torno do mesmo eixo, do mesmo ponto, senão com o objetivo de lhe mostrar que algo não está certo; das quedas na vida que antes de fazê-lo esmorecer deve ter efeito contrário, pois é preciso levantar, seguir em frente, enfim. A vida agora é um trampolim. É necessário viver-se tudo, nada é suficientemente insignificante.

Como nada na vida é totalmente seqüencial, linearmente fatalístico, em igual atitude, mudo bruscamente de assunto (acredito que apenas tenha mudado o enfoque) e não o faço a qualquer preço, haja o fato de que falarei de algo que transcende o anfibilismo da vida, de algo atemporal, deixando para trás a metodológica forma de enquadrar a candura ao momento da tenra idade de vida, a inquietude à mocidade e a certa indiferença à fase adulta. Falarei da atemporalidade da felicidade, da incessante fonte de encantamento, do mundo cujos elementos são nocivos àqueles que já decretaram sua triste sina. Falarei de um ser, de uma estirpe encantada que só faz o que poderia fazer: encantar. Encantar-nos. Bailarina... simplesmente...

Como canção de ninar, sempre me vem à cabeça uma música-poema, um improvisado-poema, que tenta traduzir esse ser, que tenta testemunhar desse ser que não pertence à terra, é habitante do país De se encantar, província Do encantar e morador da casa Pra sempre, encantamento. Eis:

As Bailarinas
Suave e leve movimento
Como corda coordenada
Como brisa brusca e breve
Como pena que cai, cai, cai... ... que flutua no ar
Como música que penetra n’alma
Como coisa desproposital
Como coisa sem destino
que divaga, que viaja, que naufraga ao luar
Como rebento de flor, jasmim e girassol
a exalar luz, a transbordar vida
Como elemento enigmamente lunático
a lançar incerteza, a perfumar admiração
Como isso e também aquilo
benquisto e, infelizmente, mal-dito
Tudo isso, tudo nisto, tudo: BAILARINA!

Bailarina. Bailarina. Bailarina. Assim como as imagens poéticas estão para a poesia, assim o encantamento (o encantar) está para as bailarinas. Elas conseguem transcender as etapas da vida, tudo que vivem é crível de ensinamento. Encantar-se não significa simplesmente viver coisas boas, mas significa tirar tudo de positivo de tudo que se vive. É a vida palco de lições estóicas, isto é, nada ocorre por acaso, nada funciona a esmo, tudo tem um duplo fim (primeiro fim de finalidade; posteriormente fim de final, pois nada humano é eterno a não ser sua alma). Que minha vida, mesmo que não seja um grande homem, possa se resumir em uma palavra: encantamento. Vislumbrei esse desejo ao contemplar aquela representante dessa linhagem divina com sua veste azul-profundeza-do-mar, com as sapatilhas delicadas – comportando dedos angélicos – e firmes ao proporcionar passos certos e sólidos, com aquela coroa-de-sol que só confirmou sua raiz celeste, e com aquele sorriso, indescritível, feérico, cândido, sincero, simples e singular, marcado por uma profunda significação...Cyntia... simplesmente ela, simplesmente bailarina!
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O presente texto é uma singela e merecida homenagem que faço a uma fantástica pessoa chamada Cyntia, amiga recente, que possui espírito maravilhoso e prestativo, alguém cuja simplicidade alicerça ainda mais seu belo e encantador caráter. Um ser para se admirar e cultivar sua amizade a cada instante!

4 comentários:

Anônimo disse...

o.O vc é muito safo iguido!

Unknown disse...

Essa crônica é maravilhosa...PERFEITA,principalmente porque ela fala da arte de dançar e dançar...
é viver a vida em um plano mais elevado!
Foi a homenagem mais maravilhosa que eu já recebi desse tipo e jamais esquecerei!!!
Um grande beijo
Cyntia

LUCIANO disse...

Curioso nesse texto é observar uma tendênia que tu tem. Não sei se no ímpeto de selar o texto com reforço da expressão final ou se por mero zelo com a estética, mas as palavras se repetem.

"Quiçá eu consiga. Quiçá eu queira. Quiçá. Quiçá..."

"Até, amada, minha amada, grande amada"

" Ela um dia já fez. Fez Você."

"Tudo isso, tudo nisto, tudo: BAILARINA!"

"simplesmente ela, simplesmente bailarina!"

Entre outros de que já te falei, parece que se revelou mais um traço característico da tua maneira de escrever.

Isso não é um elogio, tampouco uma crítica. Uma observação apenas.

Parabéns, Sir Richard Writer.

Abraços, 007!

Samuel disse...

:) Já lhe adicionei SIR RICHARD