quinta-feira, novembro 08, 2007

S A U D A D E S...



Belém, 06 de Novembro de 2004.

Foi-se meu Jesus
Jesus nos deixou. Um Jesus não o Cristo, não o Nazareno, mas um de nome próprio. Um Jesus que cresceu, caiu, levantou-se, errou, acertou e, agora, foi estrear sua nova casa, cujo endereço não sei e que tem paisagem linda (imagino). Foi-se um Jesus que viveu no anonimato para quase todos, mas seu estrelato cintilou para aqueles contemplados por terem convivido com Ela. Viajou para longe o Jesus que me criou, alimentou, deu-me anticorpo. Seu corpo físico não mais subsiste, no entanto, seu conteúdo intracorpo (espírito), aqui está: em mim, na minha memória, nas lições aprendidas, no meu caráter.

Um mal fez meu Jesus padecer, pouco a pouco lhe foi tirando forças. Assim como o outro (Jesus), não curou a si mesmo, revelou-se, na verdade, benfeitor na vida das pessoas que a cercavam: dava bronca no momento que precisava, elogiava no momento de acerto e pedia desculpa nas horas do próprio erro. Enfim, alguém do bem que exalou em todos o BEM.

Só queria, agora, não ter a consciência do que ora ocorre, da perda, da despedida, da realidade dura da passagem que muda nosso estado de espírito. Queria achar que tudo fosse um pesadelo mau-assombrado, no qual por acaso eu tinha que ter tido. Infelizmente não é essa a realidade.

Não culparei a ninguém pelo acontecido nem e, principalmente, a Deus. Este não transforma nossa vida numa fatalidade, como muitos pensam, as coisas não são pré-determinadas, caminhamos nossos caminhos, trilhamos nossas próprias estradas. A MORTE é apenas um acontecimento dentro da nossa convivência aqui na terra: Salgado e Doloroso, para quem fica; Doce e Maravilhoso, para quem vai...

Apenas temos que nos conformar e homenagear a quem muito nos deu alegria e que estará fincada no nosso íntimo. NOS ENCONTRAREMOS LÁ...


ADEUS, Meu Jesus,

Minha Tia

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Comentário: Já faz 4 anos que uma pessoa muito querida se foi. Quer dizer, dizem que se foi. Para mim, às vezes, ela continua tão aqui que por vezes me pergunto onde e como encontrá-la! Este texto foi meu grito de desespero quando soube que ela tinha ido. Fi-lo exatamente no dia que ela nos deixou. Não chorei. Não pensei na despedida. Pensei no amor: dela para comigo durante o tempo que convivemos; de mim para com ela durante o especial tempo [quase 17 anos] que estive a desfrutar de sua presença. Alguém que amo. Alguém que hei de amar. Alguém que terá sempre espaço nas minhas reflexões, nas minhas introspecções porque ela simplesmente fez parte da formação do meu caráter! Alguém que apesar de tia foi e é [e será] minha mãe!

sexta-feira, junho 29, 2007

Crônica de uma bailarina


“A história de um grande homem, é bem dada no resumo de um só dia de sua vida”, assim discorreu nosso grande prosador Guimarães Rosa em seu livro Sagarana, conto O Burrinho pedrês. O amanhecer tem ar jovial, exultante, e vigor esperançoso.

O dia é nossa fase peteleco, nosso compromisso com o descompromisso, é o tempo em que tudo é gigante, o doce é o néctar infantil, transformado em sonho de vidrar os olhos nas festas de aniversário, ou nosso ou dos amigos. É a época o quê, por que, do que, pra que, o porquê, o período-indagação. Tudo é novidade, é deslumbramento, tudo é de e para se encantar. O choro infantil é simplesmente uma exigência para que o encantamento seja infindo.

A manhã vai amadurecendo e a vida passa. Atinge-se onze, doze horas, e agora o papo já é outro. Bonecos, brinquedos, barbies, batmans são deixados de lado e a explosão da puberdade ressoa sobre corpos ainda imaturos que recebem uma munição desenfreada de hormônios. Aqui é o momento das descobertas. Melhor. Prefiro definir esse instante como da redescoberta do mundo, pois as coisas são vistas e sentidas sob outra ótica, sob outra carga de emoção e interesse. É a época do amor juvenil, notadamente uma etapa de transição, pois se o interesse pelo sexo oposto ou pelo mesmo sexo aproxima o ser que vive este momento da próxima etapa da vida, a adulta, acrescido das primeiras e ligeiras responsabilidades e preocupações que começam a sobrevir, a pessoa juvenil, principalmente a menina, conserva ainda um que de conto de fadas, de maravilhoso ao imaginar um romance perfeito, casamento sem crises, uma vida onde tudo será rosas, carregando consigo uma semente cândida típica das crianças.

Passadas as fases anteriores, adentra-se na era adulta, época das preocupações, dos compromissos inadiáveis, do amor muitas vezes mais convencional do que genuinamente incrustado no coração, muito diferenciado daquele típico do fervor juvenil em que os sentimentos são levados ao extremo. É a fase da normalidade, tudo tem um que lógico de acontecer, nada é quente ou frio, quase sempre o adulto é morno, não deixa renascer as convulsões joviais e muito menos lhe sobressalta o desejo e o encantar-se pueris. Por isso sinto que o tempo adulto é marcado pela falta de uma identidade revigorante, marca essa indispensável para se sentir ativo, vivo. É um estágio de certo vazio, de felicidades (raras) ora intempestivas ora programadas, pesando ao adulto as intempéries próprias de sua fase: preocupações, os objetivos profissionais ainda a se concretizar, a casa que não sai, o carro que não chega, o dia-a-dia sufocante, o tempo escasso que não possibilita tirar um tempo para si, relegando isso sempre para depois: no próximo final de semana, no próximo feriado, no próximo ano. O tempo, impiedoso, não reconhece a promessa do próximo, do depois e passa, os objetivos vão sendo atingidos, mas algo é esquecido: o adulto esquece de si mesmo. É alguém que está em desequilíbrio consigo e como na vida se deve buscar o equilíbrio, a equalização de forças, a natureza, essa sapiente sacerdotisa dos deuses, vem possibilitar a troca de experiências entre ciclos de vida: é daí que do seio adulto emerge o ser pueril, resgatando naquele a verve infantil, do brincar, do sorrir despropositadamente, à-toa, a qualquer hora e lugar, do ver a vida como um verdadeiro parque de diversão, como uma gangorra que lhe faz enxergar que na vida ora se está em cima ora embaixo, como uma roda gigante que o faz rodopiar em torno do mesmo eixo, do mesmo ponto, senão com o objetivo de lhe mostrar que algo não está certo; das quedas na vida que antes de fazê-lo esmorecer deve ter efeito contrário, pois é preciso levantar, seguir em frente, enfim. A vida agora é um trampolim. É necessário viver-se tudo, nada é suficientemente insignificante.

Como nada na vida é totalmente seqüencial, linearmente fatalístico, em igual atitude, mudo bruscamente de assunto (acredito que apenas tenha mudado o enfoque) e não o faço a qualquer preço, haja o fato de que falarei de algo que transcende o anfibilismo da vida, de algo atemporal, deixando para trás a metodológica forma de enquadrar a candura ao momento da tenra idade de vida, a inquietude à mocidade e a certa indiferença à fase adulta. Falarei da atemporalidade da felicidade, da incessante fonte de encantamento, do mundo cujos elementos são nocivos àqueles que já decretaram sua triste sina. Falarei de um ser, de uma estirpe encantada que só faz o que poderia fazer: encantar. Encantar-nos. Bailarina... simplesmente...

Como canção de ninar, sempre me vem à cabeça uma música-poema, um improvisado-poema, que tenta traduzir esse ser, que tenta testemunhar desse ser que não pertence à terra, é habitante do país De se encantar, província Do encantar e morador da casa Pra sempre, encantamento. Eis:

As Bailarinas
Suave e leve movimento
Como corda coordenada
Como brisa brusca e breve
Como pena que cai, cai, cai... ... que flutua no ar
Como música que penetra n’alma
Como coisa desproposital
Como coisa sem destino
que divaga, que viaja, que naufraga ao luar
Como rebento de flor, jasmim e girassol
a exalar luz, a transbordar vida
Como elemento enigmamente lunático
a lançar incerteza, a perfumar admiração
Como isso e também aquilo
benquisto e, infelizmente, mal-dito
Tudo isso, tudo nisto, tudo: BAILARINA!

Bailarina. Bailarina. Bailarina. Assim como as imagens poéticas estão para a poesia, assim o encantamento (o encantar) está para as bailarinas. Elas conseguem transcender as etapas da vida, tudo que vivem é crível de ensinamento. Encantar-se não significa simplesmente viver coisas boas, mas significa tirar tudo de positivo de tudo que se vive. É a vida palco de lições estóicas, isto é, nada ocorre por acaso, nada funciona a esmo, tudo tem um duplo fim (primeiro fim de finalidade; posteriormente fim de final, pois nada humano é eterno a não ser sua alma). Que minha vida, mesmo que não seja um grande homem, possa se resumir em uma palavra: encantamento. Vislumbrei esse desejo ao contemplar aquela representante dessa linhagem divina com sua veste azul-profundeza-do-mar, com as sapatilhas delicadas – comportando dedos angélicos – e firmes ao proporcionar passos certos e sólidos, com aquela coroa-de-sol que só confirmou sua raiz celeste, e com aquele sorriso, indescritível, feérico, cândido, sincero, simples e singular, marcado por uma profunda significação...Cyntia... simplesmente ela, simplesmente bailarina!
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O presente texto é uma singela e merecida homenagem que faço a uma fantástica pessoa chamada Cyntia, amiga recente, que possui espírito maravilhoso e prestativo, alguém cuja simplicidade alicerça ainda mais seu belo e encantador caráter. Um ser para se admirar e cultivar sua amizade a cada instante!

quinta-feira, maio 03, 2007

Dia das Mães... Teu dia, Mãe!!!!


Mulher, Mulher, Mulher...

Estamos a nos deleitar por estarmos às portas de um dia que especial importância toma pela sua denominação: Dia das Mães. Ser este de inefável valor por dedicar-se, entregar-se a uma vida. Assim são elas que nos quotidianos dias carregam o escudo de belicosas em defesa daquele que procriara, melhor, daquele que surgira de si e intimamente a está ligada. É o cognominado liame materno que tende com o tempo ainda mais crescer e tornar-se imarcescível. Mãe, como certo poeta tentou exprimir sendo o “enaltecer da vida, a concretização e materialização da luz e a confirmação do amor. Uma ilusão real efêmera enquanto mulher, eterna enquanto espírito; um todo do qual nós (parte) pertencemos”, é o real significado da existência embora não possa ser definida. Está nas alturas, está e é algo conspícuo, é mais do que o sobrenatural.

Vivenciamos num mundo onde o altruísmo é escasso e tendente a sina do fim como o encontro de retas paralelas que se tocam no infinito. Temos a cada passo da existência o espectro do isolamento, da individualidade e por vez tomamos o subterfúgio da modernidade como um dos principais fatores para tal. Entrementes, ela (mãe) e somente ela mantém-se, se preciso, na rudeza do tempo para não deixar sua maior característica minguar: transmitir e conceder amor. Falo de um sentimento genuíno não movido por uma esperada mutualidade, todavia doado com tamanha excrescência.

Tomemos a razão de viver das mães! São elas que ao nosso sofrimento sofrem, ao suscitar alegria aos nossos lábios de igual modo contentam-se. Destarte, as representantes do inefável, provenientes de um lugar ignoto e alcançável quando o buscamos, constroem seu trilhar deixando exalar o crepúsculo da vida na sua autêntica ilibação. Estejamos conscientes de nosso papel enquanto parte para que o todo não seja abalado. Estaremos não mais a fazer que nossa parte, porquanto muito já recebemos e agora chegou a hora de ceder, obsequiar. Em decorrência disso o ciclo que deveria governar o mundo, tomará o assento do trono principal e sob seu movimento (do amor) alcançaremos a plena realização e diria a completa “liberdade”.

Um passarolo anda a indagar-nos sobre que manifestações diferentes faremos para aquela que tanto nos ama. Ela um dia já fez. Fez Você.

Ah...! Não esqueçam da mãe de todas as mães: da Mãe Natureza. Lembrem-se dela conservando-a, senão seu amor caracterizado por sua dança de matizes transformar-se-á simplesmente em fúria. Daí, a vida não mais que a morte será.

O aroma agradável da mulher é a vida que flui em si” (RiDal)

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Este texto fora feito por mim em 2002 quando estava no 1° ano do Ensino Médio ainda nos tempos do colégio @cesso, local onde estudara por aproximadamente 2 anos (8ª série e 1º ano). O texto, até pelo título dá para notar, não fora realizado para o Dia das Mães, mas para o Dia das Mulheres (8 de Março). Porém é essa 'forma' de ser mulher (Mulher-Mãe), para mim a mais impressionante e encantadora, que optei por homenagear, por isso ressuscito este texto agora! Parabéns, mãe! Parabéns, mamães...

segunda-feira, abril 23, 2007

Força, Márcia!!!!


À Márcia

“Teus poemas, não os date nunca...”. Com tua licença Mário Quintana, poeta das coisas simples, vou sim datar este poeminha em prosa, esta crônica que possui destinatário certo! Se dizes que o poema não deve ser datado para existir na atemporalidade, para fazer-se concretizar em qualquer um, para interagir com aquele que porventura venha senti-lo e lhe dê alguma significação, digo-te poeta dos grilos, poeta dos jardins, que para esse modo de poetar para o imprevisto, para o infinito, na linha fugidia do tempo e do não endereçamento a alguém, há exceções. Poucas, mas há. Por isso, efetivamente começo agora esta crônica pela sua datação.

Há exatos vinte e dois anos, nesta mesma data de 19 de Abril, nascia uma fantástica criatura de Deus. Criatura essa que vinte e dois anos após seu nascimento não imaginava que estaria a passar por grande prova. Prova atrás de prova, flores sendo colhidas para exalar perfume noutros campos, noutro plano. Tudo muito rápido, tudo feito dentro do mistério sideral cuja única voz por ora é o silêncio. O mundo a girar cada vez mais veloz, o tempo a acelerar seu ritmo, a impulsionar mais rápido as transformações, a fazer misturar sentimentos que por tão fortes não se sabe quais são, como atuam, onde desembocam, quando vão ser curados. Em meio a tanta confusão de espírito, uma única certeza: a vida não pára... E por não parar é que ela segue e com calma vai fechando as fendas de dor que foram abertas, arestas de solidão que se convertem em experiência, possibilitando conhecer um pouco mais desta diva tão maravilhosa, a vida! O mistério lhe abraça e a faz rara, a vida é tão rara. Quem duvida disso? Por isso ela pede paciência. Pede que o tempo a ser teu amigo seja o tempo da prudência, o tempo das respostas, o tempo que caminha a passo conjunto com a sabedoria.

Se há algo que deve guiar nosso pensar é saber que não somos um errante a constantemente perder-se tampouco estamos sós neste mundo. Há algo de eterno em nós e sempre há algo a eternizar-se de nós. Da flor que Deus levou para pertinho de Si, Ele levou apenas uma pétala. As outras estão em ti, no teu queixo, no teu cabelo, no teu coração, no teu amor, no teu silêncio. Saiba que marcas tuas foram embora também, foram compor o grande plantio do Grande Jardineiro, e por isso Ele olha por ti, Ele te vê como uma flor madura, capaz de compartilhar teu principal perfume com Ele. Os girassóis também foram, foram luzir alguma coisa de misterioso no paço do Rei, foram acompanhá-Lo no seu vôo eternal, por horizontes nunca antes visto. Eles estão felizes e por vezes enxergam um ponto luminoso que deixaram na terra. Este ponto és tu, essa luz está no teu olhar, está na comunicação onde somente corações, mesmo distantes, conseguem se entender: na linguagem do amor, a mais usada por Deus.

Aqui fica esta mensagem de compartilhamento dos teus sentimentos. Não é um canto triste, de sortunas exclamações pelo ido, porém um canto de amizade expressado em amor, onde naufragamos num e noutro, onde enlevamos a existência mútua e nisso nos tornamos eternos, nós em ti e tu, em nós.

Esta crônica é nosso sacramento. Por isso, Quintana, dato: 19 de Abril de 2007!

sábado, março 24, 2007

A manga e a mangueira


É tão comum andar, namorar, brincar, telefonar, morrer. Morrer? Sim, sim. Diz Drummond: “morre-se de mil motivos/ e sem motivos se morre de saudade”. Está aí um aspecto desse tipo de morte que me fascina: a morte, sentimento que é, vai naufragando seu ser, invadindo artérias e veias de sentimento, conectando e interagindo sinapses de lembranças. Daí a conseqüência imediata é você morrer, assim sem explicação, assim às vezes sem jeito, melhor, do seu jeito, e você morre de saudade, morre porque teve que se despedir de alguém, morre porque magoou uma pessoa querida e não se desculpou ainda, ou porque não teve oportunidade ou porque o orgulho tem falado mais alto, morre porque se morre e não se fala mais disso, encerra outro. Sem propriedade para falar da morte denotativa, pois me faltam palavras para expressá-la, tentar seria pisar em terreno movediço, abstenho-me de tal incumbência e fico somente com a morte conotativa.

Que sentido têm as coisas? Aliás, pergunto, as coisas têm sentido? Namoro porque preciso de uma companhia, emenda um. Telefono porquanto gosto de me comunicar, diz outra. Brinco porque sou simplesmente uma criança crAescida, reflete alguém. A esta reflexão me sobreveio a crônica “Os flamboyants” de Rubem lves, em que ele afirma que as crianças são ridículas, procurando sempre os meios para tornar possível o imperativo ser do prazer, ser de viver, ser do à-toa; longe disso, os adultos não são ridículos, são educados e comportados, carregam o rótulo ser do dever, ser isso, ser aquilo, sendo, afinal de contas, qualquer coisa... menos eles próprios! Seja ridículo. Seja você. Não faça de nada sua medida a não ser de si para si.

Como você pode notar, querido leitor, não ousei responder a indagação “que sentido têm as coisas”. Não o fiz nem pretendo fazê-lo. Antes, transfiro para você que agora lê esta singela crônica a laboriosa tarefa de responder. Enquanto isso, reflito sobre dois versos de Fernando Pessoa: “As cousas não têm significação: têm existência./ As cousas são o único sentido oculto das cousas”. Vou além. Acredito que as coisas por si só não têm sentido, não apresentam significação, não carregam sequer expressão. Todavia, somos nós quem batizamos e revestimos as coisas de significados e sentidos vários, peculiarizando a impressão que temos dos objetos, das coisas criadas, das coisas vividas. Assim, de uma carta que se escreva ou receba, a carga de simbolismo que ela terá para a mãe aflita que há tanto espera a volta do seu filho, será bem diferente se a mesma carta cair em endereço errado e um estranho a receber. Perceba. É a mesma carta, com a mesma letra, com o mesmo fecho, entanto, os sentimentos despertados é que são distintos. Semelhantemente ocorre isso conosco, com a nossa vida. Para alguns somos fundamentais, peça indispensável sem a qual a engrenagem do mundo não funcionaria, somos muito mais que simples coadjuvantes e partícipes do teatro da vida. Para outros, a maioria, somos somente mais um, quando somos, uma vez que não raro nada se é. Dessa constatação, podemos perceber que a pessoa não é o ou um sentido, entretanto ela possibilita que nela se concretize sentidos de terceiros.

Faz já algum tempo que resolvi caminhar pela praça Batista Campos. Caminhava sem pensar porque “pensar é estar doente dos olhos”, diz Alberto Caeiro. Caminhava observando os carros, o trânsito, as pessoas, os animais, as árvores. Não sei se eram meus olhos que estavam embevecidos pela beleza da natureza. Minha retina só projetava imagens de árvores, frondosas, exuberantes, majestosas, imperiais, maravilhosas. Não sei se era tempo de manga. Nem sei se tem tempo de manga. Só sei que as mangueiras se destacavam. Estavam todas esbeltas, todas ricas de fruta. Seus galhos se perfilavam por toda a praça como teias de aranha conectadas geometricamente, fechando-se em um verdadeiro escudo verde por onde se estendiam. Das suas folhas nem se fale. Eram grandes e acalentadoras como mão amiga, dançavam ao ritmo e movimento do vento. Também vi flores. Uma que me chamou atenção tinha a cor de uma pimenta vermelha bem forte. Era destaque, ofuscava as flores amarelo-laranja que existiam em maior número. Imagino que essa flor vermelha era o centro sentimental daquela árvore. Acho que ali era seu coração. Via pulsação de vida naquele pequeno ponto vermelho.

Fui embora com aquela imagem da flor vermelha. Com ela sonhava e, a cada dia, renovava-se o desejo de contemplá-la. Na verdade, aquela flor era quase uma divindade. Minha oração era admirá-la. Porém, quando já me sentia um autêntico devoto dela, tive a audácia de lhe fazer um pedido: faça cair uma manga perto de onde eu esteja no dia em que completar anos. Do dia do pedido ao dia do meu aniversário faltavam meses. Fizesse sol, fizesse chuva, de domingo a domingo, lá eu estava naquela liturgia cotidiana de culto à flor vermelha. Chegou o grande dia. Em todos os dias, até ali, caíram mangas aos montes, mas nunca aproveitei nenhuma delas. Hoje era o dia tão esperado. Percorri o mesmo trajeto. Não pensei em nada, eu era todo expectativa. Esperei a manga cair. Em vão. Nem a manga caiu nem a flor vermelha apareceu.

Nisso entendi lição dada por Cecília Meireles de que morremos a cada dia, no amor, na tristeza, na dúvida, no desejo. E que também nos renovamos todo dia, no amor, na tristeza, na dúvida, no desejo. Nisso confio. A mangueira permanece lá!
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A história dessa crônica é engraçada. “A manga não veio”, sobreveio-me certo dia esta frase. Refleti sobre ela. Resolvi fazer um texto que discutisse o sentido das coisas. Afinal, as coisas têm sentido? A fiz também com intuito de lê-la no dia do meu aniversário num lugar onde me sinto super bem, na UEPa, com meus amigos. Foi um dia maravilhoso. Não poderia ter sido melhor. Não vou esquecê-lo tão cedo!