segunda-feira, agosto 04, 2008

CAFUNÉ


Vida vai, vida vem e nós caminhamos ininterruptamente. Muitos seguem o rumo que seus sonhos sugerem; outros tantos seguem o caminho do coração, deleitados pelo romântico e gostoso ar do amor; alguns tomam a vereda da amargura, do ressentimento, são pessoas que se fecham para viver momentos de alegria.

Independente da trilha de que nos guiamos, é difícil pararmos para refletir sobre os acontecimentos e deles extrair as boas e más lições. Erro nosso! Não paramos para pensar que objetivamos quase sempre o destino mais fácil, valendo-se do atalho. Este surge como solução porque o esforço nele gasto quase não é sentido e porque é efetivo, pelo menos por algum tempo. Não percebemos, no entanto, que seu efeito mais cedo ou mais tarde termina. Para elucidar isso, falemos de uma relação amorosa que inicia e se sustenta por superficialidades, construída a partir de aparências. O início dela se mostra perfeito, até porque o casal apresenta qualidades sobre-humanas, mas, pouco a pouco ou até de forma abrupta, aquela realidade de cristal se quebra, restando, apenas, a desilusão.

Esta crônica parece caminhar de forma muito previsível, mas não será meu objetivo. Meu fim aqui é difundir a prática do cafuné. Todos, sem exceção, devem cafunear. Termo novo, talvez impróprio, mas pouco importa isso, pois quem cafunea adentra numa atmosfera essencialmente romântica. E isso é o que importa!
Querem reduzi-lo, como o faz um léxico, ao ato de coçar levemente a cabeça de alguém para fazê-lo adormecer. Ah, que hermetismo conceitual! Meu cafuné transpõe qualquer limite delimitado pela palavra. Ele é o que é. E o que é, é tudo.

Dia desses cafuneei. Fi-lo inicialmente para entreter meus dedos, mas a cada passagem destes por aquela cabeça, coisas suscitaram. Estranha e gostosamente senti tremeliques. Primeiro, de vergonha, pois não pedi autorização para cafunear. Segundo porque o vai-e-vem dos meus dedos por entre as fendas daquele bonito cabelo, remetia aos desdobramentos que nossa vida enfrenta. Quanto mais as trilhas da relva capilar eram descortinadas mais significações isso trazia. Nisso meus dedos percorreram rumo ao norte, ao sul, à região periférica, atingiram o cume, desceram cabelo abaixo, foram ao centro da cabeça, estagnaram a certo ponto, deram ainda voltas e voltas sem algum objetivo aparente e perceberam que tal qual as linhas do cabelo, com suas variadas direções, a vida também apresenta muitos caminhos. Há a direção que nos leva à solidão; outra que nos conduz ao deleite; tantas mais que nos faz ser egoístas, impassíveis, adoradores do “EUmismo”; e há ainda a direção que cria em nós uma necessidade de respeitarmos o próximo. Linhas, linhas; fendas, fendas; linhas-fendas.

E assim, eu, no meu cafuné, no “coçar filosófico”, pude refletir sobre os atalhos de que nos valemos imaginando serem as melhores opções, daí resultando os caminhos por onde andamos. Se há aqueles que se perdem por aí, por uns “Olhos verdes” quem sabe, eu, todavia, me encontro naquela cabeça, cafuneando-a. Por isso recomendo: faça sempre cafuné!
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Um dos textos que mais gosto, posto que essencialmente fora escrito com afeto. Ele é de 2006 e destinei a uma pessoa muito querida, muito amada por mim, que é a Paula. Há tempos que ele já deveria figurar aqui no meu blog, contudo sempre adiava esse momento. Agora, enfim, resolvi fazê-lo. Espero que gostes dessa homenagem, meu anjo, tens sido muito importante pra mim nesse momento de grande turbulência na minha vida. Agradeço-te por tudo, Paulinha.

3 comentários:

Anônimo disse...

Muito legal, tem razão. Obrigadão. Isso me faz lembrar uma frase da Clarice Lispector, Coração dentro do coração! Abraço!

Unknown disse...

"A linguagem é uma pele: fricciono minha linguagem contra o outro. Como se eu tivesse palavras à guisa de dedos, ou dedos na ponta das minhas palavras." [Roland Barthes]

Luciano disse...

Sabe, 007, esse texto ainda é um dos meus preferidos. Tive de relê-lo para descobrir por quê.

Ele é rápido. Não pela quantidade de parágrafos, mas pela velocidade das idéias. Idéias simples e corriqueiras, entretanto, capazes de tornar um "cafunear" (aderindo ao teu neologismo) algo tão desejado e gostoso... talvez, ainda mais para quem cafuneia.

Texto enxuto e, ainda assim, rico. Disso eu gosto - tu sabes.

Expressa a intimidade, o afeto, o calor humano, enfim - que se vêem tão representativos naqueles momentos, mas careciam de um texto teu para serem revelados aos olhos menos sensíveis [falo dos meus!].

Ah, já tá preparando o "conjunto da obra" para o prêmio Dalcício Jurandir? =D

Abraço, amigo.